segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O que acontece quando os médicos pensam.

Esta noite estive de urgência, coisa que (ainda) adoro. A adrenalina, o stress, o não parar para pensar um segundo noutras coisas, porque estamos ali, e ali tem de estar 100% de nós (pelo menos, por enquanto). A cumplicidade que rapidamente se desenvolve com os colegas, baseada na partilha: as perguntas, as dúvidas, a necessidade. E os doentes, ali, agudos, a precisar de nós, e nós a sentir que efectivamente podemos fazer alguma coisa, que o nosso trabalho é importante, que vale a pena tanto estudo e tanta entrega, mesmo que nos estejam a reduzir as horas extraordinárias como se não houvesse amanhã.
Tudo o que é preciso é não parar para pensar.
Morreu-me um. "É um oligofrénico", disseram-me, "está numa instituição". Não conseguia respirar adequadamente, tinha uma pneumonia grave, e estavamos a fazer o que podiamos por ele. "Não podemos fazer muito mais" - era verdade. De repente, quando olhei para ele, pensei no meu tio. Também é oligofrénico. Também tem as suas pneumonias. Também já foi internado muitas vezes. E ia fazer-nos tanta falta se morresse. E ao perceber que não podia fazer mais, por momentos a incapacidade tomou conta de mim. O lábio começou a tremer. De repente, aquele senhor era o meu tio, estava a morrer, e eu não podia fazer nada.
É por isto que os médicos não podem pensar. Deixem-nos estar assim, somos melhores quando não pensamos.

2 comentários:

  1. Eu acho que os médicos devem pensar e bastante, é daquelas profissões em que pensar demais é que é pior.

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    1. Nós devemos pensar sim, e pensamos. Não podemos é parar para pensar em nós. O desafio está todo ai.

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